Falar sobre igualdade de gêneros em um mundo tão polarizado, intolerante e “escondido” pelo anonimato da internet não é uma tarefa muito fácil. Quando se aborda essa questão, logo surgem os estereótipos de mulheres feministas revoltadas que são contra todos os homens.
Não é sobre esse tipo de feminismo que eu quero falar. O assunto que eu gostaria de tratar hoje é sobre a desigualdade que a gente vê no dia-a-dia, sobre as situações que vivenciamos e sobre as crenças que são formadas a partir dessas situações.
Muitos homens vão dizer que machismo não existe, mas a única coisa que passa pela minha cabeça quando isso acontece é que eles não são as pessoas certas para falar sobre uma realidade na qual não vivem. Seria o equivalente a uma pessoa branca insinuar que o racismo não existe no Brasil. Somente quem sofre na pele pode realmente dizer se existe ou não.
De fato, a desigualdade é sim uma realidade e pode ser facilmente comprovada pelos números de violência doméstica, abusos, diferença de faixa salarial e quantidade de mulheres em posição de liderança. Não sou eu quem está dizendo, mas as pesquisas.
Eu sou militar, piloto e comandante de uma Base. Eu fui a segunda mulher da história a conseguir ser copiloto do helicóptero águia no Estado de São Paulo (a primeira foi admitida em 2012) e a primeira a se tornar Comandante de aeronave. Por essas razões eu sou considerada uma exceção. (se existisse igualdade, isso não seria motivo para chamar atenção).
Atualmente, eu sou a única mulher no meu ambiente de trabalho e minoria também na Corporação. Em quase 20 anos de profissão, eu quebrei muitas barreiras, modifiquei ambientes e precisei provar o meu valor. Também precisei quebrar muitas das minhas próprias crenças para conseguir chegar onde cheguei.
A verdade é que a maioria de nós cresce ouvindo e vivenciando certas coisas, muitas vezes de forma não intencional, e essas situações moldam a forma como nos comportamos depois de adultos. Muitas dessas situações permanecem inclusive até a vida adulta.
Por exemplo, quem nunca vivenciou uma mulher ser silenciada para que um homem explique melhor o que ela está querendo dizer, mesmo ela sendo especialista? Ou quando uma mulher é enérgica e todos acham que necessariamente ela está de TPM? (um homem enérgico é um bom líder). Quantas pessoas ainda acreditam que todas as mulheres não sabem ser racionais? Quem nunca ouviu frases como: “Meninas não são muito boas em matemática”, “mulheres não sabem dirigir” ou “isso é coisa de menino ou de menina”?.
As meninas ganham bonecas e os meninos ganham carrinhos. Elas são ensinadas a ser cuidadoras e eles a competir. Eles podem se virar sozinhos, elas precisam de um príncipe.
Como nós podemos criar meninas que são dependentes física e emocionalmente dos pais e depois esperar que se tornem mulheres fortes e independentes para competirem de igual pra igual no mercado de trabalho? Como criamos meninos que veem seus pais serem servidos por suas mães e esperar que eles não façam o mesmo com suas esposas?
Quando jovem eu achava que tinha dificuldade para dirigir, porque acreditava que todas as mulheres têm. As mulheres da minha família sempre começaram a dirigir mais tarde e essa foi a realidade que eu vi. Agora imaginem como foi pra mim quebrar a crença de que eu não apenas poderia dirigir um carro, mas pilotar um helicóptero. E eu tenho certeza de que ainda hoje essa crença de incapacidade paira na mente de muitas mulheres!
Isso não acontece com os homens, pelo menos não com a maioria. Convivendo com eles percebo que nunca pensam que são incapazes, nem que precisam provar o seu valor o tempo todo, pelo contrário, muitas vezes é preciso lembrá-los de que não são tão capazes quanto imaginam.
Quantas vezes eu já ouvi:
Nossa! Você não tem cara de policial, nem de piloto!Você é tão…tão…feminina.
Por que? Porque as pessoas ainda crescem com a ideia de que máquinas são instrumentos de homens e que às mulheres cabem as funções de cuidado e delicadeza. Só que é possível cuidar, lidar com máquinas, com pessoas, tudo ao mesmo tempo, independentemente do sexo.
O mundo caminha para a igualdade, mas essa evolução pode ser muito mais rápida se os adultos entenderem que precisam educar as crianças ensinando que não há um papel pré-definido por gêneros. Meninos lavam louça, devem arrumar a própria bagunça, podem chorar quando se sentirem tristes e também serão pais com responsabilidade de cuidar. Meninas dirigem, se machucam, não precisam chorar por qualquer besteira e devem cuidar de si mesmas antes de colocar todos os outros como prioridade.
Para fazer isso é preciso, antes de tudo, viver conscientemente. Quando vivemos no automático, apenas replicamos os comportamentos aprendidos sem questionar e assim vamos mantendo a sociedade como ela sempre foi.
Por favor, antes de qualquer coisa, ensine seu filho a respeitar as pessoas e as diferenças, faça-o ter empatia e lembre-se de que o exemplo é o melhor ensinamento.
O mundo do futuro vai agradecer o seu esforço. E o seu filho também.
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